sexta-feira, 24 de agosto de 2012

CTONIA


II

Que serpenteantes os teus lábios se curvem
Numa obstinada oferta de compaixão e crueldade
Que as espáduas cíclicas aterrem acima do juízo final
A importância de um acto arrogantemente humilde
Na languidez transpiratória do perdão prometido tão desejado
Que se despedacem os dedos no epicentro da vertigem
Colados às líquidas membranas do ódio da faringe
Alaranjados túneis da fluida comunhão egoísta
Exorcizadas rimas de êxtase
Goles de uma sanguinária espera
Paragens em movimento descontínuo continuadamente
Abruptal hermético teu corpo insaciável e definitivo

quinta-feira, 23 de agosto de 2012


Que a visão derrotada sobre os pulsos
Esconjurados pela combustão da rosa por oferecer
Essa que a retina empederniu no lento adeus
Com o reconciliar da loucura se vertesse lúcida

A NATUREZA MORTA



Ladrilhos de hora fragmentos de ânsia
Não saber que peles as que respiram
Vazios centros de húmidas espirais de incerteza
Lugares sem ter para onde claustrofóbicos trens

Louças de espécie porcelanas de escada
Longo uivo do chorar
Caiado de poentes degraus

Fome nas linhas fome nas asfixias
Fundamento estrangulado no muro
Causas de cal de imperceptíveis ausências
Manhã aquosa manhã vácuo manhã às lacunas
Caudaloso frio sublime impotência
Provindo mofo

Natureza morta da intenção
Laranjas aos fragmentos na escassez
Culposa amputação do translúcido -
A boca excessiva 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012




Ouve
Houve um eco que a secura do olhar arrastou
Era indispensável para o escurecer das clarabóias

Dantes
A velhice passeava nos cabelos
Agora subsiste nos erros mais opacos
Nas depressões das almas mais escusas

Talvez
Quando encostares o ouvido ao gato
Como eu ouças o poço marítimo do sono
Os ossos rastejantes de uma voz de bosque
Os pigmentos líquidos da alucinação

Hoje
A carne das estrelas tornou-se mole
E as asas não conseguem suportar o peso dos pássaros
Hoje a cidade é um convite amoroso e doentio
Quando é meia noite e a carta não chegou a aparecer

Depois
Quem pode ainda envelhecer economiza as palavras
Porque o amor nunca soube morrer prematuramente

.




Que se insurgissem as mágoas
Contra as caves do desespero
Tanto faz
Que aos que desesperam nada mais se lhes estende
A não ser as cordas

A música que se ouve é a nudez de um pé nos estilhaços
Mercúrio contra a descontínua pele dos abraços
Sobre uma rima interpolada e breve

Afinal a casa estava trancada
Como sempre
Preveni-te de que estaria
Mesmo que tu me repitas que te vou encontrar lá

Memorizei as unhas que arranhavam a porta
Ainda te quis pedir permissão para as baptizar
Mas há brancuras demasiado puras para poder mergulhar na pia

Não não me lembro quem disse isto
Tu ou eu
Confundo os avisos que aparecem de vez em quando no frigorífico
Sei de cor a saliva que os mantém mas não
Já não sei quem disse o quê
Sabes, acho que estamos a ficar lúcidos

Emparedados os nomes adoecem

Sobre a mesa
Todas as mãos se inverteram ao mutismo das coisas livres

Dizer nós para que o sol resulte pelas saliências 
Como uma cegueira da alma
No silêncio sem um queixume
Como quem não se consegue adormecer?

Quantas vezes não esperamos uma inutilidade complexa
Um galho que subitamente nos dividisse sozinho
A sombra déspota que ao se descobrir nos invadisse

Talvez a História seja um pequeno pomar em declínio
Com os ramos perplexos estendidos
Como os braços de alguém que se afoga
E deles desçam os frutos sobre a ignorância da paixão
Rolando sobre a simplicidade dos seus joelhos
Humedecidos de ocaso

terça-feira, 21 de agosto de 2012

OS AMANTES


Os amantes verdadeiros são monstros disfarçados
Com fantasmas às janelas da língua
Pendurados
E o nome sigiloso espraiado na voz

Os amantes verdadeiros são as pedras no lugar dos olhos
Com pontes de mármore na cidade nova
Pedras que não nos avisam onde vão cair

São o lume da casa pequena abandonada
Aparências obscuras brancas em redor dos pulsos
Um rumor de cativeiro na bifurcação das estradas
O carrasco alongado do vício e duma renunciada fome

Os amantes verdadeiros são ligaduras de ontem sobre os dedos
Que o sal amanheceu e repetiu às veias interrompidas
O Outono que veio mais para perto na brancura dos glóbulos
A acreditada morada nas mãos enlevadas - a oscilar