segunda-feira, 25 de março de 2013



Adormeço com o teu nome a abreviar os olhos, o marítimo monstro
que compele dolorosamente o corpo para o seu clamor de lâminas
onde as asas continuaram a ferir os séculos pelos séculos sem estadia,
o nome que se afoga na voz antes de pronunciado porque vive por detrás dos teus

fica, ó nome, no arquejar da primavera mais nocturna
os barcos cujas velas serpenteiam no vento sideral não podem levar
o tempo que ficou para trás, não querem os astros saber
de que mares viemos nós para aportar a seus pés
como crianças que reencontram o sopro da expansão ainda, mesmo que interiormente
por isso deixa-te estar à invasão da boca, não te direi inteiro não te soprarei
mas fica, que as serpentes rastejam ainda onde o sol se pôs e o gelo cobriu o caminho
prometido

não sibiles também o meu nome, que me foi dado sem que me pertença
porque se perdeu enfim onde Eles quiseram que me esquecesse de tudo
e os deuses em nós não conseguirão repetir do barro todas as inscrições.
como os corpos foram abandonados ao cio das noites, fomos largados à espera.
não sibiles o corpo despido, que amanhecerá antes que possas dizer mas.

Queima a ti também saber que Eles sentenciarão que não será claro o caminho?
Saberás como eu que há cidades onde as rosas são verdes como os espelhos
e que apenas naquelas o exílio pleno será possível, porque é sobre elas que o sol dura
e é por baixo delas que a água pulsa: as circulares metrópoles da obra

Aí conceder-nos-ão Eles os nomes de tudo quanto arruinaremos depois
até que já não saibamos distinguir-nos um do outro, como o tubarão e o homem que se uniram
ulteriormente na demolição das pontes para saber como é voar

não esperes o mover das chamas, não esperes o lume exacto,
deixa que ardam verdes já as línguas que consomem
e não te disfarces mais, as claraboias entendem que o clamor se concluirá,
que a melancolia dos frutos morrentes é cheia de água na terra

fica, então, nome inaugurado, na plenitude de todos os digitais crepúsculos divinos
até que ardam esses olhos no lugar de queimar,
até que possamos olhar os deuses descansados na esperança que precede a espera,
até que possamos olhar os deuses adormecidos
até que possamos ver os deuses dormir

domingo, 30 de dezembro de 2012


Deus não ri porque é eterno
Os animais não riem porque desconhecem a morte
Nós rimos porque a esperamos
Por isso aproxima o copo do espaço estrelado silencioso e oco
E ri-te
E bebe as questões que a eternidade não quis responder
As cordas da harpa ainda repetem sob os rochedos
Há neles escamas de miséria que reluzem como amantes
E ouvem-se longínquos uivos dos ossos que duraram
Os navios
Nascem dos indefinidos olhos dos deuses
Até à língua do primeiro homem que vigiou o abismo
A última gargalhada de Cristo
Com o pesar da culpa ulterior na rouquidão da voz

A terra sempre resistiu aos clamores

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"MELANCOLIA DA RESISTÊNCIA"


Conheci a beleza que nunca morre e fiquei triste
a János Valuska


As guerras circularam na conclusão da tua inocência
No eclipse de um inverno em que morfinizavas
Aconteceste no olho sagrado e triste
Onde os homens se dispersaram na ignorância
O oceano inteiro foi silenciado sob a marcha da ignorância

Perante aquele olho a impassibilidade da velhice foi forçada a olhar para trás
Como no vazio inicial onde
 Os teus pés foram forjados pela pureza da equidade do caos

Dispersa-te pela voz das feras que compreendes com
O terror das inocentes mãos frias
Onde há uma criança omnipresente como o voo dos sussurros

A tua aparição ainda dói as ruas onde te roubaram
E se hoje ainda neva é porque a tua sombra aconteceu pelas pedras
Porque a aspereza do tempo apenas te apartava do adormecer
Mas não ficava depois de atravessares a escuridão do cosmos
Com teu rastilho de asas de quem
Assistindo à lobotomia da beleza não é capaz de dissimular
Nem de marchar em coro

Não é verdade que os bêbados ainda dancem como tu lhes ensinaste
Nem que os velhos tenham entristecido um pouco depois da beleza
Mas sabes
Depois de ti
Há ainda uma pequena cidade coberta de branco e de anemia

sábado, 15 de dezembro de 2012

SONATA DOS HOMENS TRISTES



Onde foram os homens tristes?
Se os chamo, eles já não conhecem a lealdade
Peço o traço de sangue que cabe aos irmãos
E eles afastam-se lentamente como nos sonhos
As estações que se despedem
Não são as mesmas que regressam
O contrário é uma mentira que nos pregam
Para que continuemos a acreditar na ressurreição

Onde foram os homens tristes?
Quando esta cidade envelhecer será dia
De noite
Eles terão chorado perto dos cavalos como Nietszche
Depois partirão para Veneza
Onde nem a inocência os salvará da peste
Mesmo que com a certeza de que a beleza quando colhida
Não se tornará efémera como eles
Andarão pelas gôndolas como andaram pela vida
Conduzidos por Caronte desde o dia em que foram
De que lhes valem as raízes e as visões e a melancólica cabeça do inverno
Se a morte pôde condecorar de mágoa os pés da primavera?
Sim
Talvez as estações possam voltar as mesmas
Quando a tristeza dos homens tiver sido apenas um preconceito de deus

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012



Os cabelos não recorrem à sentença azul do antigo sopro
Os lábios cantam destemidos e nublados como o navio
Onde outrora os avistariam desaparecer
Depois da vergonha
Com as bocas roxas de espuma e limos e navalhas
Eles desacreditam os nomes imprecisos da solidão mendigada
“Jane Zelda Catherine Lizzie Nora Ofélia” dizem
E os vultos nomeados volvem em cada quarto as valsas de lume
Neblinas de lume a incendiar a esfíngica ideia sobre os pavios da opressão
A vela débil aos lábios na manhã desabitada sobre a secretária ondula
Um restolhar de papeis embriagados de tinta roídos de beleza oxigena
Ouvi ainda como as loucas cantam no cais do medo anunciado pela vossa poesia
Onde se insuflava a vossa promessa de velejar

São vossas as prateleiras escarradas de fumo de nódoas de êxtase
Mas escutem como as loucas voltam às estantes às mesas às palavras
Cuja opacidade adivinha o toque da pele envelhecida de séculos deliberados
E estremece ao despontar da claridade nas lombadas empoeiradas das alturas
Onde as aranhas edificaram asas no Tempo e as rosas pirogravadas ao longo da vigília
Adejaram para perto da folhagem escorrida para cima

À elegíaca vela os dedos antigos das mulheres amadas devolvem a extinção
À última valsa sob o nevoeiro descrente cedida na esquina de uma rua oblíqua
Absolvidas de noite
Escolhidas por um deus sem nome que as obrigasse a repetir-se
Com voz de poetas deus disse-lhes
“Submeteram as palavras indefesas a encerrar os olhos”
E elas abdicariam agora das palavras celestiais se pudessem
Esperariam até no inferno que a espera é a mesma em qualquer imagem
Benevolentes mesmo que coagidas pelo epílogo dos edifícios a descontinuar-se
Desde o prelúdio loucas ainda hesitam no cais cravado na manhã
Com as mãos trémulas de caligrafias de divãs de pavor
Suas silhuetas reminiscentes ainda aguardam e sorriem e metamorfoseiam
Mas a melancolia ainda se sente
Cruel

Excerto de romance

O Frio é o companheiro de todas as horas do Sr. Américo e mais uma vez fielmente o espera à saída do bar. O velho chega à fábrica a abanar a cabeça ao som dos animais que caem pelas chaminés e abre a porta de sua casa e não a torna a fechar para sentir o Frio inteiro nos ossos. Arqueado como se conspirasse, vai direito à poltrona de veludo verde onde se sentava com Margarita a ver televisão. Deita a mão à mesa de apoio, acende o candeeiro de luz cor-de-rosa e da gaveta retira uma corda, cuja perfeição do laço o comove sempre. Deposita-a cuidadosamente sobre a magreza das pernas. Com os dedos engelhados, percorre as curvas sinuosas e antigas da corda, o intricado de fibras, como quem afaga o pêlo de um pequeno gato. Na verdade, quase pode ouvir a corda ronronar. Sabe que não precisa de pensar muito para saber o motivo pelo qual a sua mulher quis terminar com a própria vida, mas a velhice é uma óptima desculpa para esquecer. 

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Anjo


Ofereço flores murchas a uma puta solitária
Talvez mais solitária do que eu
Sua sombra esganiçada de gritos explosivos agradece
E quem sabe aponte a minha própria sombra
E eu veja que ambas estão apaixonadas
                                               ao poeta Alisson da Hora


Ao meu inimigo dei o dever
de ser eu
não podemos enforcar-nos ao mesmo tempo
sob a mesma metáfora

dei-lhe o dever de como eu
um poeta como eu
Homem como eu
esperar
porque o Homem foi feito à imagem dos precipícios
os precipícios foram feitos à imagem do amor
o amor foi feito à imagem da morte
a morte foi feita à imagem do esquecimento
o esquecimento foi feito à imagem de Deus
Deus foi feito à imagem do Homem
e ele conseguiu olhar-se todos os espelhos

- Então, vamos?
- Vamos     

Não nos movemos