quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Excerto de romance

O Frio é o companheiro de todas as horas do Sr. Américo e mais uma vez fielmente o espera à saída do bar. O velho chega à fábrica a abanar a cabeça ao som dos animais que caem pelas chaminés e abre a porta de sua casa e não a torna a fechar para sentir o Frio inteiro nos ossos. Arqueado como se conspirasse, vai direito à poltrona de veludo verde onde se sentava com Margarita a ver televisão. Deita a mão à mesa de apoio, acende o candeeiro de luz cor-de-rosa e da gaveta retira uma corda, cuja perfeição do laço o comove sempre. Deposita-a cuidadosamente sobre a magreza das pernas. Com os dedos engelhados, percorre as curvas sinuosas e antigas da corda, o intricado de fibras, como quem afaga o pêlo de um pequeno gato. Na verdade, quase pode ouvir a corda ronronar. Sabe que não precisa de pensar muito para saber o motivo pelo qual a sua mulher quis terminar com a própria vida, mas a velhice é uma óptima desculpa para esquecer. 

2 comentários:

  1. Bem... desta não estava à espera... Dois excertos depois e a vontade de ler o romance completo continua a aumentar. Carry on...

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    1. A anemia é um cabo dos trabalhos mas anda, ela anda :P
      Obrigada, querido Jaime

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