quarta-feira, 18 de julho de 2012

SÍSIFO


Talvez tivéssemos ouvido um grito
Se lá em baixo os suicidas recebessem
As cartas dos seus vivos na pausa para o almoço
Enquanto fingíamos os ventos do sono

Um caleidoscópio que se estilhaça na erva nocturna
Um arco-íris que um unicórnio vomitasse
Sobre a duração das rosas
O tiquetaque imperturbável de um baloiço
Entre o milagre das armas nucleares suspenso
Acima do campo interminável da repetição

Talvez um choro quase imperceptível
Quando o fantasma se espanta antes da porta aberta
E um velho tossica por trás do remorso
A resistir ao rapaz sorridente dos espelhos  

Lá fora a obscuridade do poeta à chuva
Um instante numa rua intermédia
Em alguma parte do esquecimento
A coleccionar recortes de beleza:
As borboletas transitórias das nebulosas
A luminosidade fria dos pirilampos
A detonar na escuridão

terça-feira, 17 de julho de 2012

SONATA DOS HOMENS BONS


 Este é o tempo da contenda aposentada
Esta é a geração dos clubes a especular através do vidro
Dos bandos a sobrevir nas esquinas, mansos
Mudos míopes sequiosos da colossal voyeuracidade – os outros
Perpetuamente os outros às portas do lixo os outros
A partir garrafas de cobardia aos oportunos muros da aurora
Cúmplices da distinta fausta infértil masturbação do grande olho
Que tudo vê
Esta é a geração do tráfico da desprovida ideia postiça
Dédalos televisivo do consumo hiperactivo e da inércia
Logro dos prostrados no trono do serviço comunitário
A esperança verde dos recibos o pingue-pongue dos partidos
Vidros de garrafas fundeados à narcótica publicidade da falta
À raça pasteurizada em manifestos vãos de liga
À raça dirigida pela obstinada e energeticamente renovável
Praxe veterana tecnológica bala de pingue-pongue
Este é o tempo dos comboios que acabam na caução das moradas
O tempo da demolição dos sótãos primordiais onde
O grito mudo dos pássaros consumiu a asa devota da viagem
Este é o tempo dos apeadeiros funerários da coragem

Velhas beatas aos pés da embriaguez chuvosa dos caminhos
Penhores de fome numa impermeável vigília de eléctricos metros
Maçónicas finanças férricos edifícios claros punhais
Uniformes em putos artilhados de unívocas adulações
Postos em secções a jogar PS a lubrificar altos comandos à chapada
A embolsar o coro dos tribunais

E o escarro da mentira aos pés do oportunismo
E a plebe promiscuidade da droga no denso do escuro
 Manipulação do verbo em ruído de quedas vis
Corrupção do amor projectada aos espelhos da vontade
Esmigalhada até ao arrependimento estilhaços de cansaço
Fragmentação do tudo um querer sem pensar futuro
Arrogância arranha-céus dos cativos da noite
Posers a preto e branco pela Rede a exibir santidades ídolos pruridos
Doenças intelectuais despejos mentais só para vomitar a preto e branco
Ascos de réplicas infecciosas colectividades estéreis a berrar à lua cheia
Vaticínios de transpor as janelas e emudecem para beber mais um copo
Só mais um só mais um para pular tão-só as janelas do amórfico sono
Até à varanda da miséria
Até o sol comutar a lua e lhes crestar a baba do vício do fingir na cara
Cremada de nicotina de versos que ousaram ser clandestinos de crenças
De lúbricas estaladas de engano mera altura de varandas lambuzadas de pombos
E os motores a malhar na acção curva no levantar. Noite nova dosagem ácida
Em câmara lenta

Este é o tempo
Da contenda aposentada
Este é o tempo do verberar os outros até ao logro
O tempo onde a inventar o futuro
Tropeço entorpeço arrefeço
Evoco porque esqueço
Que não foi pelo ódio nem por amor
Os homens bons emudeceram por desprezo.


De 18 a 23 de Março de 2012






















sem título


A elasticidade das ruas
Cabe-me inteira no inexistir
Conceber sem o cruzar de um abraço
É preciso morrer digo
É preciso abandonar como a chuva
Que sobre a calçada de Novembro
Se morre sem conhecer

Chove-me nas entrelinhas

Chove-me nas entrelinhas

Chove-me nas entrelinhas

segunda-feira, 9 de julho de 2012


A terra em linhas rectas respira
Há uma emancipação de pássaros na claridade deste amanhecer
E sombras deslocadas desde o princípio

À sombra das árvores grandiosas
O dia que as invoca
Há frutos que palpitam como chagas
O carbonizar dos homens define as cores
E restaura aos poucos a esperança

Quando passavas
Os outros falavam mais alto

terça-feira, 3 de julho de 2012


Ser diverso
Com as espinhas do desassossego ordenadas exactamente
Amparadas dos veios às clavículas ensanguentadas
Onde a nódoa seria apenas a perturbação da poesia

Com a consciência nos espaços despovoados
O olhar nas cúpulas marmóreas da aspiração
E os cautos passos de quem uma vez supondo
Mostrou que os alicerces são a peça mais bela
E que é no sal das lágrimas que se ergue o leme de grandes navios

Mas só a abstracção da criança transparente sabe
Da limpidez das ampulhetas a ironia
Do dormir os sonhos mais demorados
O supor de uma quimera primordial
Imperturbável

Para nós há a fome comprimida
Nos copos vazios a tentativa de uma redenção
Ao final da noite no ângulo certo
Mesmo a rosa amparada interiormente
É o sonhar rosa adentro em espirais
À tentativa de um grito esperado:
A palavra prudente a palavra aplicada
Erradicada do fogo madura e pronta
Desde o princípio

E sabemos que a filantropia é egoísta
E que não levaríamos os mendigos nos bolsos
Mesmo que eles nos pudessem ensinar
Os corredores do sono
As galerias mórficas da cidade oca

Ainda tentamos ser diversos
Ter crianças dissimuladas caóticas obscuras
Protegidas nos veios nas clavículas ensanguentadas
Onde o medo será apenas a perturbação da poesia