sábado, 29 de setembro de 2012



Longínqua ainda se ouve a ébria conclusão do mar
Hermético sal que ao incendiar se une nos passos
Açucarados cabelos da expectativa nocturna
Os aproximados beijos da estátua espinhosa

Silhuetas reunidas no sangramento das esferas
Trilhos de hera nos pés condecorados de evasões
Descem para o interior da Hora as silhuetas
Ressurgem na imortalidade rosas abreviadas
A luminosidade prateada do respirar ascende reencontrada
É meia-noite
Ofereceram-se as mãos

Escuta
Finalmente chove

domingo, 23 de setembro de 2012



O estro adia a estação onde tropeçamos outonalmente nos nomes caídos
A comoção dissolve lentamente as verdes paredes do sono
A claridade vencida já não consegue curar os filamentos das folhas
Nem o sentido de tempo nem as ruínas dos dias indigo na abreviação de lábios

No azularem-se as nascentes dos caules dos búzios dos ossos negros gravados
Na água que propõe o desígnio das limalhas dos desertos interiores
De naufrágios cauterizados de conquistas acidentadas de lodos e de nenúfares
Enquanto as chuvas não chegaram para entornar o mar para fora do abismo
As rosas foram dolorosamente arrancadas ao sono logo depois de inventadas

Nas aquáticas detonações da vontade aninhou-se a obsessão pelo amor
Como se essa palavra fosse encontrada pela primeira vez
E o universo atento e inteiro se movesse por ela
Como a uma matriz a que todas as outras palavras quisessem regressar
Como pomos repetidos bagas renovadas alternadas na escassez de um abraço
Para convirem ao poema arvorado com a profundidade marítima emancipada

Há sempre o impedimento das travessias às palavras mais escarpadas
O amor não consente uma redenção o amor não foi ensinado a omitir
Conhece a sua própria dívida como um princípio sanguíneo a que abjurasse
Por isso o forjar da espera é maior do que uma esperança
É a humildade da espera que deixa a porta redentora encostada
É essa palavra que coexiste com os vultos inomináveis dos espelhos
É a partir dela que a assimetria de todas as outras aflui na limpidez
É nas dunas do remoto corpo adormecido que a pele se consagra
À existência salutar do inextinguível desígnio 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A ROSA ABSTRACTA


                 j'ai cru te savoir par touts les noms muet, anticipé de l'amour
                Ao Tristan

Cumpre-se a neve contra as artérias
Cumpre-se o homem o sangue (d)a rosa abstracta
Cumpre-se a porta de Hamelin:
A imaterialidade de um menino que dorme
(Voltado para baixo com a mão sobre o alento
Com a mão no abdómen com os olhos algures
Supõe-se protegido quando em cinza se disfarça
Entre o amor e o lume dos pêssegos reinventados)

Órficos os passos ofídios e sete cigarros vezes sete
E uma noiva que acaba na gravidade da fala
E a prestidigitação de versos nas mãos ilusionistas
Célticas frias tão escassas – as mãos

Explicavas
Como quem procurava ajustar o silêncio
Explicavas
Amo devagar os amigos que são tristes
com cinco dedos de cada lado.
Os amigos enlouquecem
e estão sentados,
fechando os olhos,
com os livros atrás a arder
para toda a eternidade.
Não os chamo,
e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.

Herpéton por uma cidade luminosa a oscilar na opacidade da noite
Herpéton onde o álcool e as horas nos empurravam contra o crescimento
Com as palavras a escapar dos cabelos, perto da música e do propósito
Com o estalar da cumplicidade às pontes dos dedos
Sonolêncio,
Retomas ainda a experiência de luas por escrever
Espera, escuto:
-Temos um talento doloroso e obscuro
Construímos um lugar de silêncio
De paixão.

Volvidas as estações e as noites,
Meu irmão,
Há que voltar para casa
E amadurecer

SÓ AS NOITES DEPOIS DA DESPEDIDA



Só as noites depois da despedida se podem celebrar musas
Com seus cabelos de tenebrosa avalanche de dúvidas
Seus dedos pálidos de alegoria de catacumbas
Sua infinita boca de hermética humidade a ecoar
Seus crípticos olhos de alheamento cruel e breve

Só as noites depois da despedida são as únicas futuras
De pés aos farrapos adiados pelos subterrâneos das estações
Com os flocos da intuição revolvidos dos invernos em suspenso
E o órfão nome da besta tremulamente domesticado pela espera

Só as noites depois da despedida se podem considerar definitivas
Onde encalharam os marinheiros de pó e o nevoeiro dos abismos
As pontes velhas desmoronadas e as luvas dos homicidas cauterizadas
Os gritos adormecidos na confiança da revolta pelo sangue de alguns poetas
As viúvas e as amantes e as filhas e as prostitutas e as anónimas que acreditam
As convulsões depois das feridas e o choque e o asfalto das palavras caladas
A combustão das crianças e dos cigarros que continuaram a caminhada
Os livros que não conseguem morrer
E que adormeceram na esperança da ressurreição ámen

Só as noites depois da despedida são de resistência
Porque diante delas a poesia cumpre-se mais sincera
E as janelas ainda obstruídas abrem-se para os lagos da miséria
Nos quartos da alma acumulados de certeza até ao tecto
Inúteis como polícias na cena de um crime
E os panos dos espelhos cedem ao olhar compassivo sobre ele mesmo
O olhar cansado onde o adeus às lágrimas começou há tanto tempo
Sobre os livros cravejados de rosas mordidas que ainda respiram
Por quem os sinos dobram como o ano da morte de um amante
Que atravessou o meridiano onde a leveza de carácter era insustentável

Só as noites depois da despedida são a perturbação da verdade
Onde se adoece pelos vendavais do medo como uma andorinha ou um gato
Por cento e vinte anos de solidão e cólera
Noites de inferno inclusas num pêndulo ao pescoço
Como um Quixote sem ficções
Como quem espera ver o anjo o corvo
Um pequeno príncipe em desassossego

É nas noites depois da despedida que os festins estão nus
Que se anuncia a cama
No pináculo da montanha mágica onde o paciente iluminado
É um deus de fogo agrilhoado e nu que se levanta
Um viajante em busca de um tempo perdido
Numa noite de inverno ao fim da tragédia

É nas noites depois da despedida que os pauis ganham sentido
A aparição revelada de um deus sobre as ondas com as duas tábuas da poesia
Um anjo maldito que sobre as moscas e sobre as ratazanas partisse
Ao som da flauta que um velho toca lá longe no fim do mar
E mesmo que a tabacaria tenha fechado para férias,
Que os que se amam se reencontrem na fome e na náusea do escrever

NO INTERIOR


                     
             “For sale: baby shoes, never worn”

Exalto
As moléculas medusas de momentos das manhãs memória
As mães
Nas mãos transparentes das crianças trémulas
Ainda a pisar sóis a queimar as heras
A ceder a inocência aos bosques da sabedoria
Onde os assassinos coleccionam a cortiça estuprada
Para apaziguar a velhice dos astros divinos
Com peso a mais nos machados para conseguirem sorrir

Sob a noite o lume certeiro das lâminas manchadas
Sob as contas siderais dos coágulos púrpura
Orvalham intoxicados fantasmas inocentes e inseguros
Há uma ama com asas de anjo a persegui-los em cada um de nós
Há um machado que julgámos puro a silvar na erva
E rodas infantis impiedosas espalhadas pela floresta como ampulhetas douradas
E a lua em contagem minguante a pratear todos os silêncios





O DEUS DOS PEIXES



Poderão os peixes com eixos de bicicletas saber
A que distância estão as estrelas do deserto marítimo?
Saberão ainda os homens quais os búzios de onde se escuta melhor a noite
E que sustentáculos suportam os polvos que habitam a lua?

Poderá deus indicar-me um nome apenas um nome
Ou alguém que me diga quais os deuses que os peixes escolheram?
E tu poderás pôr o braço à minha volta por engano
Sem nunca te apiedares de mim?

Podem pôr a tocar a decadência?
A jukebox deu o berro porque o deus dos peixes preferiu a madeira
Os homens já não procuram os búzios por entre a noite
Os polvos da lua caíram ao mar quando a música acabou
Deus não tem nome, é analfabeto
Levaram-te para a catedral e cozeram o teu barro à parede
Deixaram que os teus braços se partissem durante o processo
E ainda há quem acredite em milagres!

MOTEL



Os passos de quem uma vez soube andar estão à saída
A trás a parede onde a porta ausente acusava o conforto
À frente o copo desabitado do bêbedo o litoral ilimitado
Ele não respira e os passos avançam lentos às apalpadelas
Para a cama sobre a montanha com a canção pronta a encantar
Que intimida e acode e confunde numa estadia fugitiva na insónia
Os papeis que a mala não impediu de se dividirem
Os pathos e os logos e os eus e os outros extraviados no universo
Porque é na maior ressaca que um homem se afirma
Uma lâmpada à mesa inversa vibra como uma mão idosa
E os passos encalham nos dentes imorais da vergonha 
A beleza como a única meta decente é incerta como uma criança
E os pulmões comprimidos de Espaço suportam o adiamento
No suspenso dos quartos provisórios insondados tão banais  
Onde nas portas sempre a mesma oração de lâmpada embriagada oscila:
Onde há hoje a maior firmeza já houve a maior derrota

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

amor

Amor
Que o teu corpo brutal se desdobrasse asas                                                                   
Um dia só das clepsidras em cujas cores a dimensão do amor se afirma
Com a honestidade do silêncio cinzelado de brisa
Assim leve a interrogação que é o teu corpo descoberto
Apaziguasse
A tempestade e o tumulto dos sussurros do toque
Pleno de mácula o corpo porque é do sujo que se ergue a convicção
Como se da fermentação dos poros a alma se reabrisse clareira
Do reflexo buscado fora dos espelhos para não despertar

Que morresses
Para que a beleza do sono te tocasse e eu sentisse culpa
Para que enfim pudesse dormir encostada à tua aquática morte
Ou diluído como quando vinhas e tudo voltava para ti a cabeça
E todas as cores se assombravam à tua volta
À volta da tua impassibilidade
Até à humidade do meu olhar

Quero
Repetir
Amor
                Ainda que a tua morte me seja doce nos lábios
Sei que escutas a minha sombra deitar-se sobre o teu mendigo adormecer
Por detrás das acções das novas peles sei que a sentes mesmo no adiamento
E que para teus passos vazios converge o rumor dessa palavra
Oculta na chrónica imortalidade do nosso nome

domingo, 16 de setembro de 2012




Pela morada-norte com seus peixes de linhas de letras inscritos no sopro das paredes
As navegações pela porção de sobras pelos frascos de vidro pelos olhos
Onde se acolhem o verde adocicado do ópio as chuvas de agosto
À procura da voz salgada de declamar os veios das conchas os fundamentos das cascas
Com as mãos ainda protegidas na mesa a resgatar da madeira o estro dos trilhos
À espera do olhar descido do olhar complacente que se obriga ao pretérito
De quem tem agendada a morte para o dia imediato e é tão humilde ao amor

Os dedos brincam com as espadas sobre o corpo:
São dolorosas as invasões do espelho que não permaneceu
Os peixes que se formam do pó da reminiscência não cumprem coisa nenhuma
Conto-os e eles continuam a multiplicar-se se fecho os olhos
Não cumprimos o real nem eu nem esta morada nem a memória
Ela que ainda raspa as unhas na madeira submerge nos cadernos
Circula
A prata das canetas o negrume dos isqueiros ela que não se concilia com o lume
Que estranha o peso dos livros e proíbe a chuva com sua decisão de escuro
À procura de uma voz salgada que emerja das quimeras como uma bússola


sexta-feira, 14 de setembro de 2012



Onde estavas no Princípio
Quando a verdade ainda não tinha estalado
E as plantas ainda podiam mover-se?
É tarde
As cidades arvoraram suas colunas de ferro e medo
E os jardins murados respiram o vapor de uma ácida utilidade sulfúrica
Desconhecerás a decomposição da beleza pelos largos e pelas esquinas
A evasão dos mortos para outra consistência que esta está cansada de poluir
Os sulcos cinzentos das asas da mariposa singular que sobrou
E o sinal das serpentes que ousam ainda sustentar a terra lavra como um veneno
Abrevia tu a extensão que separa a casa das estrelas cá em baixo
E senta-te comigo perto das labaredas dos objectos impossíveis
Sem contemplar no escuro recorramos à memória para dar as mãos
Invoquemos um e outro para que os salmões reapareçam para que os imitemos
E beija-me como no princípio como se ressurgíssemos
No final da velhice sussurrada com os cabelos oxidados de terra

quarta-feira, 5 de setembro de 2012



Mendigo noite um pouco mais de lume
Um pouco mais de fumo um pouco mais de versos
Porque é preciso encontrar na ausência
A plenitude de um próximo dia solar
A palidez da árvore amparada desde o escuro da raiz
Até à verticalidade de um poeta de inverno
Suspensa na insónia com a força de embalar


Fátuos passos votados ao jardim suspenso
Absoluto circular de um eterno gesto poente
Uma mão na intemporal poesia dos espelhos
Os dedos esguios de quem busca a verdade
Uma esperança
Como quem espera o poema intransitório
O poema nomeado mulher ausência
Na perseguição criminosa do silêncio oculto do amor