quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Anjo


Ofereço flores murchas a uma puta solitária
Talvez mais solitária do que eu
Sua sombra esganiçada de gritos explosivos agradece
E quem sabe aponte a minha própria sombra
E eu veja que ambas estão apaixonadas
                                               ao poeta Alisson da Hora


Ao meu inimigo dei o dever
de ser eu
não podemos enforcar-nos ao mesmo tempo
sob a mesma metáfora

dei-lhe o dever de como eu
um poeta como eu
Homem como eu
esperar
porque o Homem foi feito à imagem dos precipícios
os precipícios foram feitos à imagem do amor
o amor foi feito à imagem da morte
a morte foi feita à imagem do esquecimento
o esquecimento foi feito à imagem de Deus
Deus foi feito à imagem do Homem
e ele conseguiu olhar-se todos os espelhos

- Então, vamos?
- Vamos     

Não nos movemos

terça-feira, 20 de novembro de 2012


Adormeci à manhã entreaberta
Com o odor da noite ainda no sangue do nome
Que esqueci de proteger da recordação das rosas
Adormeci         
Nesta cama nesta cama de gritos
Onde a menstruação procura o retorno ao corpo vazio
E não encontra o princípio do pecado ao lume da única vela

Como as mulheres que fui se revolucionaram pelos becos!
As sombras as sombras diluem-se no rio aos pés da antemanhã
No escuro das metáforas
À luz das crisálidas devoradas aos amantes antecipados

O rastilho da impotência a beijar a pele dos homens
Como são dóceis quando da fome restam apenas as migalhas!
Os punhos erguidos à intransigência das eclesiásticas razões
Rasto de lobos na insipidez de uma palavra amargurada
Não vêm nada os olhos impedidos pelas mãos de agarrar as palavras
As palavras que partem do centro do fôlego até ao convexo
De uma vagina canonizada pela liberdade
Emancipada loucura ser!

Adormecermos é a nossa única semelhança
Os loucos andarão pelos sonhos como os mentirosos
Também as virgens serão esquecidas
E a ternura poderá exalar a tinta do nome às rosas segredadas

Oh adormecer
 Com as palavras cerradas no precipício pesadelar das formas
Com as mãos inacessíveis com o brando murmúrio mórfico sobre os olhos
E a minha condição não estremeceu ao sentir o seu sopro
O sopro morno de quando a morte é apenas uma reminiscência
E deus é uma criança perdida que sorri por não ter respostas
Oh adormecer interiormente na memória
Adormecer tristemente melancolicamente nas ruas lúgubres
Com a manhã inteira a mendigar metáforas à ternura do passado

Espreito a morte no restolhar das folhas do sono
Nada mais estremece
A pele primordial e eterna já não estremece
A pele consolidada e silenciosa já não estremece
A pele harmoniosa e terna já não estremece

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Excerto de Romance

A velhice do Sr. Américo revela-se agora a Bel mais do que uma questão capilar. Não é sequer na curvatura exagerada da coluna nem naquelas mãos áridas que ela se manifesta. É mais profunda até que as adegas daquele olhar voltado para trás. A velhice do Sr. Américo está enraizada no definitivo do seu espírito imutável, num carácter de sedentarização do pensamento que já não admite uma procura de uma nova razão. Mais do que tudo, é uma vontade para confidências que Bel não compreende. O Sr. Américo já passara a idade de se envergonhar e a mesquinhez das suas palavras não consegue fazer sequer com que Bel se apiede dele. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CTONIA I


Que a visão derrotada sobre os pulsos
Esconjurados pela combustão da rosa por oferecer
Essa que a retina empederniu no lento adeus
Com o reconciliar da loucura se vertesse lúcida


CTONIA III


Dá-me
A toxicofilia clarividente dos elementos que possuis
As mãos assim amarradas já não podem deter
A aparência dos pretextos com que deslocas os corredores
Sussurra-me
A alquímica coragem com que desapertas as escolhas
Encadernadas de fora para dentro
Arruína
Da terra privada dos bolsos o lume da tua mão esquerda
Onde os homens que me amaram se submetem à tua tirania
E conclui o mármore do teu silencioso sexo
Porque a singularidade da beleza jamais permitirá que sejas de alguém