A espera.
As pedras que
sustêm o círculo recuam ao gélido toque da sombra. Alastra-se, soberana, enegrecida
de vingança, altiva de mantos, bruxa mordaz oponente impiedosa do equilíbrio,
parca da discórdia, traição à certeza do gesto concreto: a sombra.
Dissimulada, a
sombra estanca todo o luar vertido pela clarabóia e entorna-se demorada e
esguia pelo chão, a tentar o silêncio como uma serpente que se assomasse
inteira até aos pés do homem que prolonga e a que pertence sem que a eles
dependa ou obedeça.
A respiração
cadenciada do homem vertical é densa e suave e mesmo que a sombra o desafie a elevá-la
ele sabe que não se pode expor. As mãos recolhidas na treva do manto iludem de
estáticas, mas a ruga flectida entre os olhos denuncia-o. Do alquebrar vago do
seu tronco admite-se até uma ponta de desassossego, apesar do homem vertical
estar quieto, a sua sombra persegue as paredes e inquieta a respiração.
Além da
respiração, o suspiro insinuado pela sombra omite o vibrar de chaves que entre
os dedos escondidos tremem e o da que entre elas foi a cúmplice que abriu a
porta para o imperdoável pecado do amor. A porta, o quarto que testemunhou a
inseminação do profano, éden macabro de serpenteantes suspiros, oculto tantos
degraus abaixo dali, mas é tão elevada a sua assombração. A abjecta crueza do
ferro, o homem quer enterrá-la no sabugo das unhas – hereges da pele inocente -, para a esconder fundo
na memória. Apunhala a chave pela cabeça e esmaga-a com a força do remorso. O
sangue cavalga e na investida cega mancha os pés da sombra - a sombra de súbito
retrai-se de ardor, presa do dilúvio cor de vinho-, o sangue viola o manto, o
sangue intimida o luar, o sangue suja as pedras, pinta o circular som do
silêncio. O sangue: seu único acto de contrição.
Ainda, no
bolso, uma faca.
A espera.
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