sexta-feira, 29 de junho de 2012

A RAIN AT MIMIC


De onde acorda a força para
Continuar o olhar procuradamente
E os sulcos dos lábios. de novo inaugurados
E a chuva. nocturna. comovida
E o voo dos dias iguais. que persiste
E a perseverança na emancipação
Ainda?

Há botões demasiados na razão
E as bainhas estalam. a chuva
E se as pétalas estancam. se decompõem
Inversas aos espinhos que enrijecem
De onde a persistência abolidora dos relógios
Dos poemas não conclusos?

Aqui em baixo
A cidade é fugitiva. transitória. oculta
Na sobrelotação de uma época evadida
De uma época fratricida
A cidade é. sempre noite
A chuva. abandona-se
Desabitada:

 A calçada explode sob os intrusos
As janelas. ateadas. onde o fumo irrompe
Aos corpos despovoados. em que o olhar persiste
Como se colhesse os gestos para dentro dos bolsos
Como se disfarçasse. compreender,

Os trajectos alucinantes das claustrofobias
Uma carência do sorrir. as transições metalúrgicas
E as narcóticas vigílias dos espaços ilimitados. poluídos.

Depois
Os mimos. com as modestas lágrimas da companhia
Com isolados gestos. o toque. aos objectos inexistentes
Ausentes imaginários. mimiquiméricos
Com os cabelos a perseguir as bagas mórficas da chuva
As cinzas. e alguns cardumes de lume
E beijos remotos nas almofadas de outros quartos
Por baixo
Intimamente
No sono

Há cadernos dispersos no estrondo das avenidas
Nunca hão-de cair. antes do silêncio
Há paisagens prontas. e silenciosas. e gestos
Na luz. e na sombra
E mãos de noite. enluvadas. que se antecipam ao encontro
Veladas

Mímica. à chuva
deus é desespero
deus habita a transparência das lágrimas

Que cartas


Mãe, que cartas
Por que rumores escondidos
Por que árvores interrompidas
De homens discretos
Esquecidos
Por que gestos de neve
Por que delírios de mar breve
Te deveria escrever?

Que mutismos brutos
Te retalham os pés
Enquanto transitas as minhas palavras
Que promessas
De relógios ocultos
Eram as badaladas
De quando falavas?

Mãe, que cartas
Presas à corda de estender
Do quintal do meu adiamento?

Que cucos pararam de cantar
Na sala de lume de minhas primaveras idas?

Junto ao fogo das fábulas
A avenida das iluminuras antigas
E tu que alisavas flores
Tu que acomodavas a paixão
Nas prateleiras do teu tédio
E eu que sabia tuas cores
Teu adormecer como remédio
Tuas redivivas angústias de pequena
As refeições que longínqua preparavas
Tua pele falsamente serena
E eu que te sabia
Que te lia
Para te ver no suspenso do sono
Te ver sobrevir no meu mundo
Para que me beijasses os olhos
Para que desaguasses nos meus sonhos
Meu Imbolc de esperanças,
Onde acontecíamos de mãos dadas…

Mãe, que cartas
Quando o teu medo se colou
Às galerias da minha pequenez
Onde num baloiço te esperava?
Mãe, que cartas que letras
Poderiam danificar o teu pesar
Além de ti para fora de mim
Que sonhar para te fazer sonhar
Que morfeu que arlequim
Amarraria nos teus cabelos
Quando tu estás para lá do mundo
Tão remota de tudo
Tão perto do Fim?

terça-feira, 26 de junho de 2012

A sombra que o mar tem


Para que o teu nome transpire na página
É preciso dar-te as semiluas palavras
Sem ter garganta onde a voz se cumpra
É preciso dar-te a morosa embriaguez
Com que sempre agrides a noite
Sem ter copo para irrigar a utopia dos lábios

Para que eu dance submeto-me à transmutação das estátuas
Submeto-me para cumprir do meu ar à tua terra o mar
Submeto-me
Quando lanças as clandestinas letras lobos em volta do verbo Livre
E o fio desabitado e inteiro do sanguíneo rasto consagra a página
Enquanto entornas nas margens afiadas nódoas ténues nós vírgulas
Peixes de vidro tingidos de asteriscos ganchos antigos faróis
Azulados lumes no enevoado e exíguo princípio de um búzio
Onde alguém arrasta ruidosamente a cadeira para ir morrer sozinho
Envolvido de envidraçados peixes labaredas de verdes letras
Que perfuram e mergulham e emergem pelas alamedas da folha
Onde os barcos que comandaste partiram para o fim do verso

Mas a beleza foi um fragmento de papel que sem querer alguém rasgou

sábado, 23 de junho de 2012

A RODA DOS EXPOSTOS, excerto


A espera.
As pedras que sustêm o círculo recuam ao gélido toque da sombra. Alastra-se, soberana, enegrecida de vingança, altiva de mantos, bruxa mordaz oponente impiedosa do equilíbrio, parca da discórdia, traição à certeza do gesto concreto: a sombra.
Dissimulada, a sombra estanca todo o luar vertido pela clarabóia e entorna-se demorada e esguia pelo chão, a tentar o silêncio como uma serpente que se assomasse inteira até aos pés do homem que prolonga e a que pertence sem que a eles dependa ou obedeça.
A respiração cadenciada do homem vertical é densa e suave e mesmo que a sombra o desafie a elevá-la ele sabe que não se pode expor. As mãos recolhidas na treva do manto iludem de estáticas, mas a ruga flectida entre os olhos denuncia-o. Do alquebrar vago do seu tronco admite-se até uma ponta de desassossego, apesar do homem vertical estar quieto, a sua sombra persegue as paredes e inquieta a respiração.
Além da respiração, o suspiro insinuado pela sombra omite o vibrar de chaves que entre os dedos escondidos tremem e o da que entre elas foi a cúmplice que abriu a porta para o imperdoável pecado do amor. A porta, o quarto que testemunhou a inseminação do profano, éden macabro de serpenteantes suspiros, oculto tantos degraus abaixo dali, mas é tão elevada a sua assombração. A abjecta crueza do ferro, o homem quer enterrá-la no sabugo das unhas – hereges da pele inocente -, para a esconder fundo na memória. Apunhala a chave pela cabeça e esmaga-a com a força do remorso. O sangue cavalga e na investida cega mancha os pés da sombra - a sombra de súbito retrai-se de ardor, presa do dilúvio cor de vinho-, o sangue viola o manto, o sangue intimida o luar, o sangue suja as pedras, pinta o circular som do silêncio. O sangue: seu único acto de contrição.
Ainda, no bolso, uma faca.
A espera.

O Desfiladeiro das Insónias


Além dos cílios embutidos de Abril
Além das pálpebras crispadas do pó visionário
Dentro dos espinhos do teu fleumático dilúvio
Desenho
Uma rosa de neve um lírio de água
As garras abertas dos gritos da Sombra
A galopar as nuvens sobre o naufrágio do dia
Sobre os atlânticos cascos da tua gargalhada
Sobre a casa fechada onde ainda dormito
Na aquática languidez do miolo de uma Nuvem
A encarar o agudo desfiladeiro das insónias
A aguentar os livros a resistir o hálito das palavras
Contra a ventania das Horas a tiritar de claustrofobias
De pavor
O nada a respirar debaixo da cama
A cama na tua gargalhada a tremer
A prontidão do olhar coagido pela esperança de uma voz recordada
A ideia com excertos de escadas invertidos ao escrever
A ideia: olhos d’areia a transitar o vidro duma asa
A ideia: ectoplasmas aos tombos na mágoa
A ideia: a afinar o sobrevoo da existência
Com uma asa interrompida no oculto lago de um livro
Na ausência das águas a transparência
Duma quimera embala-me para dentro do teu peito onde
Adormeço           aos fragmentos
Com a cabeça pesada de sonhos

A Obra


De porta em porta atravessada
Há que conter a transparência da morte
Ter na cabeça uma vara de vedor
Ser circular e transitório como um nó
Entre aorta e pesadelo
Ter nos órgãos carregados charcos
E poças nas mãos
Bolsas de água cuidadosamente amparadas
Nos dedos
E uma enorme estrela sob os pés
A despertar